Sangradouro -
Farol da Ponta da Alegria (II Parte)
Hiram Reis e Silva (*), Bagé,
RS, 06 de fevereiro de 2015
Os
Argonautas
(Apolônio de Rodes)
Nenhuma
das aves passa por ali, nem as tímidas pombas, que a ambrosia
(o
manjar divino) levam para Zeus pai; Sempre a lisa pedra detém uma delas;
outra,
porém, o pai envia para completar o número;
por
ali, nunca escapou nau dos homens, que depois voltasse, mas,
ondas
do mar e tempestades de fogo destruidor levam
as
tábuas das naus e os corpos dos homens. [...]
A nau
deslizou para dentro do mar; eles, em seguida, puxando-a para trás,
impediam-na
de ir mais adiante. Dispuseram os remos nas cavilhas pelos dois lados, e
colocaram
o mastro, as velas bem trabalhadas e os víveres. [...]
batiam
com os remos na água do mar impetuoso, e ondas barulhentas se chocavam contra a
nau. A água negra do mar corria espumante de um lado a outro,
ribombando
terrível sob o vigor destes homens muito fortes. [...]
Todos
os deuses, naquele dia, olhavam do alto do céu a nau e a raça
Partida do Sangradouro (28.12.2014)
Acordamos, eu e o professor Hélio, antes do alvorecer, desarmamos o
acampamento atormentados por um enxame frenético de carapanãs e fomos tomar o
café a bordo do Zilda III onde encontramos o Brian pescando e o Coronel Pastl ultimando
os preparativos para o desjejum. Depois da refeição matinal embarcamos em
nossos inigualáveis caiaques oceânicos “Cabo
Horn” da Opium Fiberlass com a mesma inquebrantável determinação dos
Argonautas de outrora ‒ realizar a inédita Circum-navegação da Lagoa Mirim de
caiaque, a maior Lagoa brasileira. Inspirados pelos versos de Rodes, mas fiéis
à nossa fé monoteísta, tínhamos a certeza de estarmos sendo observados pelos
olhos atentos do Grande Arquiteto do Universo e Senhor de todos os exércitos o que
nos inspirava a prosseguir e alcançar sucesso na nossa afanosa e arriscada epopeia.
Afastamo-nos da costa com o intuito de deixar para trás os incômodos e
famintos insetos. O artifício funcionou e o Hélio, em tom de brincadeira,
afirmou que o nome de Sangradouro deve ter sido dado em virtude da voracidade
destes pequenos e incômodos vampiros. Os ventos de proa, que nos fustigariam
durante toda a travessia, freavam nossa progressão cuja velocidade girava em
torno dos 6,5 km/h.
Depois de remar por mais de uma hora, aproximadamente uns 8 km, ‒ quando
passávamos pela Foz do Arroio das Palmas (ou Parapó ‒ 32°10’15,3”S /
52°43’32,1”O), que mais à montante, a partir do Passo do Parapó, serve de
divisa entre os Municípios de Arroio Grande e Pedro Osório, observamos o
veleiro saindo lentamente do Canal São Gonçalo.
Ultrapassamos a Ponta Luís dos Pobres, tangenciando os sarandis (ou Branquilhos ‒ Sebastiana
schottiana), que na fase adulta ultrapassam os três metros de altura, e que
estavam quase totalmente submersos. Resolvo sondar a profundidade no local e verifico
que ela ultrapassa os 2,5 m. Nessa oportunidade avistamos, ao longe, um bom
local de parada 4 km ao Norte do Arroio Chasqueiro (32°16’05,3”S / 52°47’14,4”O)
onde aportamos, às 09h30, depois de remar por três horas e percorrer 20 km,
numa praia (32°13’47,6”S / 52°46'33,8”O) tomada pelas águas em frente a uma
bela mata nativa.
Aproveitamos para repor as energias nos hidratando e comendo algumas
barras de cereais além de fotografar a vegetação eolicamente esculpida. Algumas
figueiras tinham tombado sucumbindo à ação solerte e contínua das águas e dos
ventos, mas aferravam-se à vida moldando seus troncos, galhos e raízes à nova
realidade emprestando à paisagem mais que um exemplo de determinação e vontade,
mas de como se pode mudar a cena de um cataclismo em um monumento de fé e de
esperança. A beleza do local nos contagiou, além dos monumentos arbóreos as
enormes bromélias e barbas de bode agitadas ao vento e outras tantas epífitas,
empoleirados nos seus galhos emprestavam-lhes um encanto especial.
Descansados navegamos 15
km, enfrentando ventos de proa de mais de 20 km/h, passamos pela Foz do Arroio Canhada
(Foz 32°18’59,6”S / 52°48’29,7”O) e chegarmos à Foz do Arroio Grande (32°20’43,3”S
/ 52°47’21,6”O), por volta das 12h00, onde nos aguardavam os amigos velejadores
para o almoço. Almoçamos e partimos depois de acordarmos de que eles
pernoitariam na Foz do Arroio Bretanhas (32°29’21,6”S / 52°58’08,6”O) e nós no
Farol da Ponta Alegre. Fizemos a última parada do dia na Ponta Alegre, às
15h00, onde encontramos vestígios de um acampamento de pescadores totalmente
tomado pelas águas. Aportamos nas proximidades do Farol da Ponta Alegre às 16h15
depois de remar 48 km desde o Sangradouro. Como o Farol e as casas dos
faroleiros não permitiam que acantonássemos resolvemos montar a barraca na
praia em um local protegido dos ventos por pequenas dunas.
Farol da Ponta Alegre
O Farol de torre quadrangular de alvenaria, antigamente pintado de
branco, com 16 metros de altura, e as duas casas dos faroleiros, ficavam localizados
a aproximadamente um quilometro a Sudoeste da Ponta Alegre (32°24’53,6”S/52°45'29,7”O).
O assoreamento provocado por uma centúria estendeu os limites da Ponta Alegre e
em consequência a distância do Farol quintuplicou diminuindo, também, a
distância entre a Margem Oriental e Ocidental da Lagoa.
O complexo foi inaugurado no dia 20.09.1908 e sua luz branca era visível,
com tempo claro, a 21 km de distância. Embora mal conservado e apresentando
alguns sinais visíveis de deterioração pela ação do tempo e vandalismo sua
robusta estrutura, com mais de cem anos, é um marco memorável ‒ um ciclope que
assiste estático e impassível a marcha inexorável do deus Chronos e seus prosélitos
devastadores.
Sua magnífica escadaria helicoidal de ferro, ainda que
totalmente exposta à ação das intempéries resiste estoicamente permitindo ao
visitante chegar ao seu topo com toda segurança.
Ângelo Moniz da Silva Ferraz (Barão de Uruguaiana), Presidente da
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, encarregou, em 03.11.1857, Francisco
José de Sousa Soares de Andrea (Barão de Caçapava) de formalizar um parecer
técnico a respeito da localização dos faróis que deveriam ser edificados à
margem da Lagoa Mirim para tornar sua navegação segura. O parecer que recomendava
a construção de dois faróis na Margem Ocidental ‒ um na Ponta Alegre e outro na
Ponta do Juncal e na Margem Oriental ‒ na Ponta de Santiago foi aprovado. O
Governo Imperial, embora reconhecesse a necessidade dos mesmos, alegava
problemas financeiros para a sua construção que mais tarde foram agravados com
a eclosão da Guerra do Paraguai.
Fonte: CALDAS, Thais Evangelista
de Assis. Os Argonautas, de Apolônio
de Rodes, e a tradição literária ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ PROAERA ‒ UFRJ, 2010.
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